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Quantas violências ainda pode sofrer uma menina de 10 anos grávida após estupro?

 



Quando uma menina de apenas 10 anos deu entrada pela primeira vez em um hospital de São Mateus, no Espírito Santo, no dia 7 de agosto, reclamando de dores no abdômen, sua gestação, descoberta naquele momento, tinha 21 semanas. A criança então revelou que era vítima de estupro desde os 6 anos, violentada por um tio. 


O hospital a examinou e, apesar da urgência do caso, pediu que ela retornasse na semana seguinte para uma nova avaliação. Seu caso despertou a atenção da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, foi levado à Justiça, e só na última sexta-feira (14) um juiz concedeu o direito ao aborto, apesar de a Constituição Brasileira prever que o procedimento é autorizado em caso de estupro e em caso de risco de morte para a gestante – duas condições nas quais o caso da menina já se encaixava desde o início.


Não bastasse a insanidade de considerar que o corpo de uma criança de 10 anos pudesse gestar outra criança até um estágio mais avançado do que já se encontrava, a menina ainda desenvolveu diabetes gestacional, segundo advogada Sandra Lia Bazzo Barwinski, do Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem Brasil), que acompanha o caso – o que a colocou ainda mais em risco.


Tudo isso somado a um trauma psicológico profundo. Na decisão do juiz Antonio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e da Juventude de São Mateus, que concedeu o direito ao aborto, um dos profissionais que atendeu a criança relata que “ela apertava contra o peito um urso de pelúcia e só de tocar no assunto da gestação entrava em profundo sofrimento, gritava, chorava e negava a todo instante, apenas reafirmando não querer”


Quando enfim, no domingo, a menina, já com mais de 22 semanas de gravidez e após deixar seu estado para fazer o procedimento em Recife, conseguiu o atendimento necessário, de forma sigilosa para proteger o que restava de sua integridade, a ativista bolsonarista Sara Giromini, conhecida como Sara Winter, divulgou o nome da criança e o hospital em que ela estava sendo atendida para convocar um protesto. Na tarde de domingo, um grupo de dezenas de manifestantes se reuniu em frente ao local tentando impedir o aborto.


A divulgação das informações sobre a menina – que tinha a identidade preservada até então – vai além da crueldade. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que completou 30 anos em julho passado, estabelece, em seu artigo 17 que o “direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”


A ativista e seus seguidores usam como argumento a idade gestacional da criança, dizendo que, com 22 semanas, a menina correria mais risco com o aborto do que se esperasse mais para fazer uma cesárea. No domingo à noite, o médico Olimpio Barbosa de Morais Filho, responsável pelo procedimento, disse ao jornal A Tribuna, do Espírito Santo, que o risco de aborto era menor do que o risco de um parto no caso da menina.


“Todo procedimento tem um risco, mas garanto a você que o risco é menor que um parto. No caso dela, se continuasse a gravidez, por causa da idade, teria riscos muito maiores de complicações e morte que uma mulher adulta. Além disso, ela não queria de jeito nenhum a gravidez. Ela verbalizava que não aceitava de jeito nenhum. Quando acontece isso, obrigar uma criança é uma tortura muito grande, destrói a vida da pessoa”, disse o médico ao jornal.


Na decisão do juiz Antônio Moreira Fernandes, em que ele atendeu a um pedido do Ministério Público, favorável à interrupção da gravidez, ele afirma “que é legítimo e legal o aborto acima de 20-22 semanas nos casos de gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal”. Também diz que “a vontade da criança é soberana ainda que se trate de incapaz, tendo a mesma declarado que não deseja dar seguimento à gravidez fruto de ato de extrema violência que sofreu”.


Segundo reportagem do Fantástico, agora a Promotoria da Infância e da Juventude de São Mateus “vai investigar se pessoas ligadas a grupos políticos foram até a casa da família para pressionar a avó a não autorizar o aborto”.  O sofrimento brutal da menina ganhou proporção de embate político e virou um circo na arena polarizada do Brasil hoje, quando o que essa criança mais precisava era de um tratamento cuidadoso, seguro, rápido e respeitoso. Nisso, falhamos como sociedade.



A pergunta que fica é quantas violências podemos evitar que ela ainda sofra. Porque seu caminho até aqui já foi doloroso demais para uma criança de 10 anos. 

 

 

Com informações de Isabel Fleck (HuffPost Brasil).        

 

 

 

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