O hospital a examinou e, apesar da urgência do caso, pediu
que ela retornasse na semana seguinte para uma nova avaliação. Seu caso
despertou a atenção da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares
Alves, foi levado à Justiça, e só na última sexta-feira (14) um juiz concedeu o
direito ao aborto, apesar de a Constituição Brasileira prever que o
procedimento é autorizado em caso de estupro e em caso de risco de morte para a
gestante – duas condições nas quais o caso da menina já se encaixava desde o
início.
Não bastasse a insanidade de considerar que o corpo de uma
criança de 10 anos pudesse gestar outra criança até um estágio mais avançado do
que já se encontrava, a menina ainda desenvolveu diabetes gestacional, segundo advogada Sandra
Lia Bazzo Barwinski, do Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos
Direitos da Mulher (Cladem Brasil), que acompanha o caso – o que a colocou
ainda mais em risco.
Tudo isso somado a um trauma psicológico profundo. Na
decisão do juiz Antonio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e da Juventude
de São Mateus, que concedeu o direito ao aborto, um dos profissionais que atendeu a criança relata que
“ela apertava contra o peito um urso de pelúcia e só de tocar no assunto da
gestação entrava em profundo sofrimento, gritava, chorava e negava a todo
instante, apenas reafirmando não querer”.
Quando enfim, no domingo, a menina, já com mais de 22
semanas de gravidez e após deixar seu estado para fazer o procedimento em
Recife, conseguiu o atendimento necessário, de forma sigilosa para proteger o
que restava de sua integridade, a ativista bolsonarista Sara Giromini,
conhecida como Sara Winter, divulgou o nome da criança e o hospital em que ela
estava sendo atendida para convocar um protesto. Na tarde de domingo, um
grupo de dezenas de manifestantes se reuniu em frente ao local tentando impedir
o aborto.
A divulgação das informações sobre a menina – que tinha a
identidade preservada até então – vai além da crueldade. O ECA (Estatuto
da Criança e do Adolescente), que completou 30 anos em julho passado,
estabelece, em seu artigo 17 que o “direito ao respeito consiste na
inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do
adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia,
dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.
A ativista e seus seguidores usam como argumento a idade
gestacional da criança, dizendo que, com 22 semanas, a menina correria mais
risco com o aborto do que se esperasse mais para fazer uma cesárea. No domingo
à noite, o médico Olimpio Barbosa de Morais Filho, responsável pelo
procedimento, disse ao jornal A Tribuna, do Espírito Santo, que o risco
de aborto era menor do que o risco de um parto no caso da menina.
“Todo procedimento tem um risco, mas garanto a você que o
risco é menor que um parto. No caso dela, se continuasse a gravidez, por causa
da idade, teria riscos muito maiores de complicações e morte que uma mulher
adulta. Além disso, ela não queria de jeito nenhum a gravidez. Ela verbalizava
que não aceitava de jeito nenhum. Quando acontece isso, obrigar uma criança é
uma tortura muito grande, destrói a vida da pessoa”, disse o médico ao jornal.
Na decisão do juiz Antônio Moreira Fernandes, em que ele
atendeu a um pedido do Ministério Público, favorável à interrupção da gravidez,
ele afirma “que é legítimo e legal o aborto acima de 20-22 semanas nos casos de
gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal”.
Também diz que “a vontade da criança é soberana ainda que se trate de
incapaz, tendo a mesma declarado que não deseja dar seguimento à gravidez fruto
de ato de extrema violência que sofreu”.
Segundo reportagem do Fantástico, agora a Promotoria da Infância e da Juventude de São Mateus “vai investigar se pessoas ligadas a grupos políticos foram até a casa da família para pressionar a avó a não autorizar o aborto”. O sofrimento brutal da menina ganhou proporção de embate político e virou um circo na arena polarizada do Brasil hoje, quando o que essa criança mais precisava era de um tratamento cuidadoso, seguro, rápido e respeitoso. Nisso, falhamos como sociedade.
A pergunta que fica é quantas violências podemos evitar que
ela ainda sofra. Porque seu caminho até aqui já foi doloroso demais para uma
criança de 10 anos.
Com informações de Isabel Fleck (HuffPost Brasil).
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