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Produção de cloroquina coloca Presidente Bolsonaro na mira de investigação que apura desperdício de dinheiro público



O Ministério Público solicitou uma investigação para apurar se houve superfaturamento na compra de insumos para fabricação dos comprimidos de cloroquina pelo Exército. O medicamento é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro para combater a pandemia de covid-19, mesmo sem nenhuma comprovação científica de sua eficácia.



Solicitado pelo subprocurador-geral do MP junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) Lucas Furtado, o pedido aguarda o parecer da secretaria do órgão para, então, ser analisado pelo plenário do tribunal. O processo apura ainda a responsabilidade direta do presidente na decisão de aumentar expressivamente a produção de cloroquina “sem que haja comprovação médica ou científica de que o medicamento seja útil para o tratamento da covid-19“, afirma o documento.



A compra do insumo, adquirido da Índia, sem licitação, custou 6 vezes mais que o valor pago pelo Ministério da Saúde no ano passado. Finalizada no Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército, a produção do comprimido aumentou 84 vezes nos últimos meses em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o MP.



“Todo estudo científico produzido relatava a ineficácia da droga contra a covid-19“, diz Furtado à DW Brasil sobre a motivação do processo. Caso as irregularidades sejam comprovadas, Bolsonaro pode sofrer diversas sanções, como multas e pagamento pelo dano causado.



O pedido de investigação argumenta que a fabricação em massa do remédio seria um desperdício de dinheiro público que deve ser devidamente apurado. Segundo o documento, “os responsáveis (devem ser) penalizados na forma da lei, especialmente se há suspeitas de superfaturamento na aquisição de insumos“.



O pedido do subprocurador gerou reação entre deputados bolsonaristas. José Medeiros, do Podemos (MT), pediu que o TCU investigue a atuação de Furtado. Promovida por Bolsonaro como solução contra a doença que já matou mais de 94.000 brasileiros até início de agosto, a cloroquina foi banida pela OMS (Organização Mundial da Saúde) no tratamento da covid-19. Administrada desde a década de 1950 contra malária, o remédio pode provocar efeitos colaterais graves, como problemas cardíacos, e ainda aumentar o risco de morte em pacientes com o novo coronavírus.



No Brasil, porém, Bolsonaro orientou o Exército a aumentar a produção do comprimido na pandemia. “Temos informação de que mais de 1,5 milhão de reais foram gastos para produção de cloroquina. O laboratório do Exército aumentou sua produção em 100 vezes desde o início da pandemia“, afirma Débora Melecchi, do CNS (Conselho Nacional de Saúde). Até 23 de junho, o Ministério da Saúde havia distribuído 4,4 milhões de comprimidos de cloroquina para os estados brasileiros.



“A rigor, esta aquisição [do insumo supostamente superfaturado] deveria ser fiscalizada pelo órgão de controle interno das Forças Armadas. Mas sabemos que eles não vão fazer nada, uma vez que o chefe do Executivo está fazendo propaganda da cloroquina“, disse Rudnei Marques, do Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado), que acompanha a investigação do TCU.



Questionado sobre o volume da produção do medicamento e o pedido de investigação do TCU, o Exército não respondeu às perguntas da DW Brasil.

 

 

Onde a cloroquina falta



Além do Exército, o laboratório público da Fiocruz produz os comprimidos, mas para uso exclusivo contra a malária, informou a entidade por e-mail. Os medicamentos à base de cloroquina e hidroxicloroquina são fabricados também por empresas farmacêuticas como Cristáila, EMS, Sanofi e Apsen.



No início da pandemia, a propaganda de Bolsonaro a favor da droga provocou uma corrida às farmácias e o medicamento sumiu das prateleiras. Pacientes que precisam da cloroquina para tratar doenças crônicas como malária, lúpus e artrite reumatoide ainda encontram barreiras para comprar a substância.



Uma pesquisa feita pela Biored, órgão da sociedade civil que reúne associações de pacientes, mostrou que 65% dos entrevistados tinham dificuldade para acessar o remédio antes da pandemia. Esse percentual subiu para 84% depois que o coronavírus se instalou no país. A pesquisa foi feita em junho com 699 pacientes que sofrem de artrite reumatoide e lúpus.



“Esses pacientes ficam sem medicamento acima de 40, 60 dias, o que pode levá-los a atendimento hospitalar num sistema que já está sobrecarregado com casos de covid-19“, afirma Melecchi.



Em falta, o remédio também ficou mais caro. Um paciente que gastava mensalmente 100 reais, hoje precisa desembolsar cerca de 450 reais com farmácias de manipulação. Por recomendação do governo federal, apesar de a ciência dizer o contrário, os estoques de cloroquina são priorizados para pacientes com covid-19, disse Melecchi.



É difícil saber o quanto a indústria farmacêutica lucrou no meio desta confusão. “Eles não informam quanto o faturamento aumentou, mas dados do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos) mostram que o consumo de cloroquina pelos brasileiros cresceu 358% durante a pandemia“, disse Flávio Emery, presidente da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas.



Dados da Sindusfarma obtidos pela DW Brasil confirmam o salto de vendas em março. Nos meses seguintes, a saída do produto continuou em alta, em comparação com o mesmo período de 2019. Mas não são somente os pacientes de doenças crônicas que dependem da cloroquina que estão sofrendo os efeitos desta política que priorizou o fármaco sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19.



Pacientes graves que chegam aos hospitais enfrentam diversas dificuldades. Há relatos sobre a falta do chamado kit intubação, composto por 22 medicamentos.



“Houve compra de novos respiradores, mas a compra dos remédios não acompanhou. Há uma morosidade muito grande do governo na compra dos kits“, disse Melecchi. “O que o governo federal distribuiu para 10 Estados há poucas semanas é uma quantidade mínima, já está acabando, ou acabou“.



Algumas dessas compras, segundo o CNS, foram feitas via Opas (Organização Pan-Americana da Saúde). Assim como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Bolsonaro tem ameaçado retirar o apoio à agência, o que significaria, junto com EUA, um corte de 65% no orçamento da Opas.



Além de suprimentos contra a covid-19, a compra de outros insumos importantes para brasileiros corre risco se houver um afastamento da Opas. “O Brasil adquire medicamentos para o tratamento da Aids através da Opas. Se esses remédios não chegarem mais ao país, será um caos“, afirma Melecchi. O Ministério da Saúde também foi questionado pela DW Brasil, mas não respondeu às perguntas até a publicação desta reportagem.

 

 

Com informações da Deutsche Welle Brasil .       

 

 

 



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