Faltam informações nas publicações que dizem que um
hospital no Piauí curou pessoas com Covid-19 e esvaziou UTIs com uso da
medicação cloroquina. O conteúdo usa um vídeo verdadeiro gravado pelo médico
oncologista Saba Vieira em 8 de maio, no qual ele relata um protocolo adotado
pelo médico Justino Moreira, diretor clínico do Hospital Regional Tibério
Nunes, em Floriano, para o tratamento precoce de pacientes com o novo coronavírus.
Mas os textos omitem que ainda há pacientes em tratamento
domiciliar e também em leitos ambulatoriais no hospital. Além disso, não existe
nenhum registro científico ou comparativo de que a melhora clínica dos
pacientes foi exclusivamente por conta das medicações.
No vídeo, Vieira diz que no tratamento oferecido pelo
hospital há "duas janelas de oportunidade" para quem contraiu a
doença. A primeira é a aplicação de cloroquina com azitromicina em pacientes
que apresentaram sintomas de um a sete dias. A segunda é o uso de corticoides
em pacientes que apresentam sintomas depois de sete a doze dias.
Com a
repercussão do vídeo, o médico que fez a gravação compartilhou em seu Facebook uma das publicações e escreveu que "o conteúdo e o título estão distorcidos". Ele não atendeu às solicitações de entrevista feitas
pelo Comprova.
Justino confirmou que desde 2 de maio vem adotando essas
duas abordagens para pacientes que estão com comprometimento pulmonar e não têm
comorbidades. Ao todo, 15 pessoas foram submetidas ao protocolo, com
prognóstico positivo, mas ainda não há evidências suficientes para dizer que
estão curadas. Isso porque, apesar de os pacientes terem apresentado melhora
clínica, apenas cinco já tiveram alta.
Quatro ainda estão em tratamento
domiciliar e os outros seis seguem internados em leitos clínicos. Nem todos
passaram pelos exames necessários de radiografia para receber o laudo de alta
da Covid-19. A OMS (Organização Mundial da Saúde) também não reconhece nenhum
medicamento ou vacina para a Covid-19.
Justino afirmou que reavaliaria o caso das pessoas tratadas
nesta quinta-feira, 14, último dia do tratamento experimental. Também é
importante destacar que a experiência no hospital do Piauí não tem um grupo de
controle. Ou seja, não há pacientes que não fizeram uso do tratamento para fins
científicos de comparação. O próprio Justino faz a ressalva de que o número de
pessoas tratadas em Floriano é pequeno e ainda não serve como evidência
científica para a eficácia da cloroquina ou do corticoide contra a Covid-19.
De acordo com o médico, as publicações que divulgaram o uso
de cloroquina não citam que pacientes ainda estão em tratamento e que há ao
menos seis pessoas internadas com Covid-19 nos leitos ambulatoriais. Justino afirmou
que o uso de corticoide é o que mais tem dado resultado. "Não gosto da
forma com que foi colocada [na notícia] a cloroquina como solução. O foco é a
corticoterapia", disse ao Comprova.
A medicação, segundo afirma Justino, tem evitado que a
doença se agrave a ponto de necessitar de intubação e, consequentemente,
internação na UTI. O Hospital Regional Tibério Nunes, localizado no interior do
Piauí, tem 10 leitos de Unidade de Terapia Intensiva e 15 leitos de ambulatório
destinados à Covid-19. Até esta quinta-feira, 14, não havia pacientes em estado
grave na UTI.
No ambulatório há pacientes internados, mas nem todos têm
indicação para receber o tratamento, por estarem em fases diferentes da
infecção ou apresentarem outras doenças prévias. Apesar de o tratamento estar em curso, até agora, o governo
do Piauí não divulgou nenhum protocolo público para adoção dessa modalidade
para pacientes com a doença. O hospital também não tem evidências científicas
que comprovem a "cura", como afirmam as publicações, por conta
exclusivamente dos medicamentos.
Apenas quarta-feira (13) o governo do Piauí anunciou a criação de um comitê
médico para estudar, avaliar e definir o uso de cloroquina, hidroxicloroquina e
corticoides, entre outros medicamentos que auxiliem no tratamento. O Comprova questionou o governo do Estado sobre
o tratamento adotado e a falta de acompanhamento técnico dos protocolos, mas
não obteve retorno até a publicação desta checagem.
Os protocolos que têm sido utilizados no Hospital Regional
Tibério Nunes foram estabelecidos por uma médica que nasceu em Floriano, no
Piauí, mas atualmente trabalha no hospital HM Puerta del Sur, localizado em
Madri, na Espanha. Ela compartilha documentos e vídeos em seu Instagram sobre
as dicas para o uso do corticoide contra a Covid-19.
Recentemente, o YouTube retirou do ar um de seus vídeos indicando a medicação.
O Comprova confirmou em mensagem enviada ao Twitter do
hospital espanhol que ela é funcionária, mas não obteve resposta sobre os
protocolos de tratamento utilizados.
Com
informações do Projeto Comprova.
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